primeiros cadernos
caderno n.º 5 setembro 1945/abril 1948
trad. não disponível
livros do brasil
1973
Peste… «E de cada vez que li uma história de peste, do fundo de um coração envenenado pelas suas próprias revoltas e pelas violências dos outros, um grito claro se ergueu dizendo que no entanto havia nos homens mais coisas para admirar do que para desprezar.»
… «E a peste cada um a traz consigo, porque ninguém, sim, ninguém no mundo, está imune. E é necessário vigiarmo-nos constantemente para não sermos levados num minuto de distracção a respirar na cara de alguém e a pegar-lhe a infecção. O que é natural é o micróbio. O resto, a saúde, a integridade, a pureza, se preferirem, é um efeito da vontade, e de uma vontade que nunca deve deixar de exercer-se. O homem honesto, o que não infecta ninguém, é aquele que se distrai o menos possível.
Sim, é frequente ser-se um patife. Mas é ainda mais fatigante não querer ser um patife. É por isso que toda a gente está fatigada porque toda a gente o é um pouco. Mas é por isso também que alguns conhecem tão fundo cansaço que só a morte os poderá libertar dele.»
albert camus
cadernos III
(caderno nr. 5 1948/1951)
trad. antónio ramos rosa
livros do brasil
1966
Alexandre Blok,
«Oh se soubésseis crianças
as trevas e o frio dos dias que hão-de vir.»
e ainda:
«Como é penoso andar por entre os homens,
Fingir ainda existir.»
e ainda:
«Somos todos infelizes. A nossa pátria preparou-nos um terreno para as paixões e os dissídios. Cada um de nós vive por trás de uma muralha da China desprezando-se mutuamente. Os nossos verdadeiros inimigos são os popes, a voka, a coroa, os polícias, ocultando os seus rostos e excitando-nos uns contra os outros. Esforçar-me-ei por esquecer… todo este atoleiro para se chegar a ser um homem e não uma máquina de incubar o ódio…
… Só amo a arte, as crianças e a morte.»
Id. Perante a ignorância e o esgotamento dos pobres:
«O meu sangue gela de vergonha e de desespero. Só há vazio, maldade, cegueira, miséria. Só uma compaixão total pode produzir uma mudança… Reajo assim por que a minha consciência não está tranquila… Sei o que devo fazer: dar todo o meu dinheiro, pedir perdão a toda a gente, distribuir os meus bens, o meu vestuário… Mas não posso… não quero… »
«Ó minha querida, minha bem amada ralé!»
«O que está nos confins da arte não pode ser amado» e no entanto: «Nós morremos todos, mas a arte fica.»
albert camus
cadernos III
(caderno nr. 6 abril 1948/Março 1931)
trad. antónio ramos rosa
livros do Brasil
1966